Desenvolvida como parte do programa de Pesquisa Experimental da Escola da Cidade e orientada por Alexandre Benoit, o trabalho parte de pressupostos teóricos como os do filósofo alemão Walter Benjamin e de Charles Baudelaire, escritor francês, além de referências importantes como o filme "Terra em transe" de Glauber Rocha, buscando ferramentas de compreensão do espaço através do desenho. Em “Aventuras de Claudinho: Do lirismo ao caos”, o estudante Guilherme Paschoal cria uma narrativa onde o fictício pesquisador Claudinho vive uma aventura na Ilha de São Berlis. A história em quadrinhos pode ser lida neste link.
Texto enviado pelo autor.
A cidade é um espaço de extrema importância. É um lugar inclusivo onde muitas forças heterogêneas atuam. Esta pesquisa começa querendo, ou tentar, compreender este espaço, e através de desenhos se posicionar de forma crítica sobre este ambiente no qual estamos inseridos.
Importante ressaltar que ao se tratar do Brasil, havemos de levar em consideração nosso passado, não tão longínquo, colonial e escravocrata e que teve seu processo de modernização e de industrialização com a manutenção de fortes desigualdades sociais e traços do patriarcalismo. Tal história de país fez com que a esfera pública, para nós brasileiros, seja algo de difícil assimilação, não sabemos o que é este espaço. Estabelecendo-se assim como uma sociedade que tem por costume tratar os assuntos públicos como privados. Ou seja, tratar os assuntos referentes à população, de maneira geral, na base de favores pessoais, algo tão evidente nos dias de hoje (fora temer!). Isto torna nossos espaços coletivos em incertezas, onde se é comum gradeá-los, murá-los, abandoná-los e privatizá-los. Evidente que nem todos os espaços de caráter público são assim. Nós brasileiros apresentamos um belo contra exemplo : as praias. No Rio de Janeiro, e em outros centros urbanos que apresentam praias, o espaço público é concretizado nesse local. Um local onde o encontro acontece de fato, um espaço de alteridade que é muito difícil de estabelecer lógicas de exclusão.
Essa característica não é exclusividade das praias urbanas. Desde as Manifestações de Julho observamos, na sociedade, uma série de medidas que parecem apontar para um novo caminho, caminho este de uso do espaço público. Medidas estas como: A Batata precisa de você, festas na rua, comércios ambulantes, food-trucks, Ocupe Estelita e mais recentemente a Villa das Flores. Ouso arriscar que estes tipos de iniciativas não se restringem a apenas o Brasil, mas percebo uma espécie de movimento mundial como os movimentos do Occupy, as Primaveras Árabes etc. Em geral, estas iniciativas têm em comum o entendimento de que as coisas só irão gerar mudanças e garantir suas reivindicações se vieram a se representar no espaço público.
Porém, apesar dessa perspectiva animadora sobre o futuro das cidades, a atuação do mercado financeiro e imobiliário na reprodução do capital nas cidades parece inibir qualquer expectativa interessante de mudança. Ao esbarrar com figuras como Saskia Sasken, Sharon Zukim, Zygmunt Bauman, Slavoj Zizek e vivenciar de perto três mega eventos esportivos como Panamericano de 2007, a copa do mundo de 2014 e as olímpiadas de 2016. De fato tornaram qualquer perspectiva de mudança em utopia.
Diante desse sentimento confuso de esperança e desilusão a pesquisa se estrutura e encontra seus dois nortes teóricos em Baudelaire e Benjamin nas obras “As flores do mal” e “Um lírico no auge do capitalismo”, respectivamente. Estas obras surgem com o intuito de compreender o nascedouro da modernidade e da cidade como a conhecemos, permitindo entender nossa realidade como reflexo de questões embrionadas neste período moderno. O primeiro ato foi ler os poemas de “As flores do mal”, esta leitura desde o primeiro instante se pôs como um desafio para este que vos escreve, pois, a leitura do gênero de poesia para olhos desacostumados é tarefa árdua. Aos poucos a relação com a escrita do poeta francês se torna mais acessível e se é possível extrair as metáforas e figuras que compõem um dos primeiros registros artísticos sobre Paris.
Esta Paris se torna mais nítida com Benjamin. Sua precisão na escrita e seus múltiplos exemplos recriam ao leitor uma noção completa de um período tão emblemático. O pensador alemão utiliza-se de uma série de exemplos da literatura, da imprensa impressa, da produção artística e dos costumes da época para construir seu pensamento de cidade.
Este estilo de empregar várias referências afim de construir um pensamento foi fortemente empregado na elaboração da pesquisa. A investigação, além de teórica, possuía um viés gráfico, no qual o desejo de elaborar desenhos críticos de cidade era de grande relevância. No começo os desenhos elaborados por mim eram muito genéricos, no sentido de se limitarem apenas a desenhos de observação de cenas urbanas, onde as quais possuíam uma grande limitação da minha condição social de homem branco, classe média e aluno da escola da cidade. Ou seja, não apresentavam contundência alguma para uma discussão ampla de cidade. Aos poucos, através das orientações e das leituras, o desenho acabou por evoluir para uma história em quadrinhos onde as imagens e o roteiro servem de alegorias para as passagens do texto de Benjamin, Baudelaire e uma série de referências que surgiram ao longo do processo, como é o caso das diversas citações do filme de Glauber Rocha “ Terra em transe”.
Com o quadrinho finalizado compreendo que a visão de cidade e de espaço público que eu possuía no inicio da investigação era bastante romantizada. Após ler estes dois autores, pilares da pesquisa, entendo que este nosso espaço é sim de natureza plural, e que esta característica é fundamental para as cidades. Mas, que iniciativas como a batata precisa de você e uma série de outras, que apresentam uma certa diversidade e promovem novos usos do espaço, acabam por esbarrar numa limitação de classe.
Na figura de Baudelaire, Benjamin deixa muito claro que sua condição de flâneur (entendendo que esta seria uma forma de experimentar o espaço criado pela cidade) só é de extrema contundência e digna de promover alterações na ordem vigente urbana, pois este se desgarra da sua própria condição de burguês. Desta forma ele não se encaixa em nenhum lugar, permitindo-o um distanciamento e assim uma poderosa analise sobre sua contemporaneidade. Coisa que nestes movimentos que promovem novas formas de se experimentar o espaço não conseguem este distanciamento ainda. É claro que não estou dizendo que tais iniciativas são ruins e que não servem pra nada, pelo contrário. De fato, elas estão introjetando na nossa sociedade cada vez mais esse esforço de entender e se relacionar com o espaço coletivo, mas simplesmente esse fato não os isenta de problematizar sobre suas ações. Tendo isso em vista o convido a ler “ Aventuras de Claudinho. Em: Do lirismo ao caos” e pensar cidades, boa leitura.
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